Karl Loewestein
assegura que, mesmo antes das Revoluções Burguesas, que puseram fim ao Antigo
Regime Absolutista e inauguraram o Estado Moderno, já havia certa consciência
acerca da necessidade de limitação do poder estatal.
O ilustre professor
cita como exemplo o Estado Hebreu, que em sua arcaica teocracia já impunha
limites ao governante (e não só ao povo) pela chamada “Lei do Senhor”.
Não é demais lembrar
que, ainda na Antiguidade, experiências outras de vivências constitucionais
remotas de limitação do poder foram experimentadas, tais como na Grécia e Roma
antigas, onde formas de acesso democrático ao poder eram franqueadas àqueles
considerados cidadãos.
Ora, essa breve
digressão que aqui se propõe não pretende retroceder tanto no tempo. Citamos
como exemplo tais vivências constitucionais apenas para sustentar um ponto: por
uma legítima aspiração humana aos ideais de liberdade e igualdade de direitos,
há que se impor limites ao exercício do poder estatal.
É certo que foi na
Idade Média que se observou a ruptura desse processo ao qual a humanidade vinha
se encaminhando, ao se estabelecerem os regimes despóticos absolutistas.
Apesar disso, ainda
nesse período de trevas medievais, surgiu, tímida e lentamente, um novo movimento
constitucionalista, mais precisamente na Inglaterra, que se sucedeu por Estados
Unidos e França, no contexto das revoluções burguesas do século XVIII.
No cenário do
Constitucionalismo Moderno, se desenhou, de maneira mais científica, a Teoria
da Separação de Poderes. Esta prescreve que, ainda que legitimamente
estabelecido, o Poder deve ser limitado.
Nesse sentido, a
Teoria Clássica da Separação de Poderes trouxe no Constitucionalismo Moderno a
ideia de que o Poder, para ser limitado, deve ser dividido.
De fato, se para
alcançar os propósitos do Estado, autoriza-se que o representante do povo
exerça o poder justamente com o fim de alcançá-los, é certo que, à medida que
se atribui deveres, se confere poderes.
É certo que a
doutrina, desde os clássicos que se sustentam sobretudo na experiência
histórica, ressalta que prova de poder ilimitado dele tende a abusar. Dessa
maneira, dividindo-se igualmente o poder, corre-se menos risco de um retorno
aos tempos de arbitrariedades já nos tempos idos experimentados.
Modernamente, não
mais se fala em poderes, mas em funções do Estado, que devem ser desempenhadas
visando à consecução e concretização dos direitos fundamentais. A cada uma se
conferem prerrogativas que servem justamente ao pleno alcance de tais
realizações.
No contexto do
Processo Penal, são conhecidas as distinções doutrinárias acerca dos sistemas
processuais penais, quais sejam acusatórios e inquisitórios.
Este último, que
ganhou contornos durante o período mais obscuro da idade média, tem caráter
extremamente autoritário, sendo as suas principais características a
concentração das funções de acusar, defender e julgar na pessoa do juiz.
O sistema acusatório,
por sua vez, tem feições mais democráticas, já que prescreve a separação dessas
funções, bem como garante a preservação de direitos e garantias à pessoa
investigada.
É certo que a
constituição federal de 1988 não anunciou expressamente qual o modelo a ser
adotado pelo Estado brasileiro. No entanto, optou tanto por conferir ao
Ministério Público a titularidade da Ação Penal, como também elencou extenso
rol de direitos e garantias fundamentais ao investigado (imputado, denunciado,
preso, etc.) no âmbito do processo penal.
Vê-se claramente que
o modelo acusatório é preferível no contexto do Estado Constitucional de
Direito.
Por um lado, já vimos
que conferir alta carga de poder a um só órgão do Estado oportuniza ao seu
mandatário a tendência ao arbítrio, nos moldes do que se viu na era
absolutista.
Por sua vez, a
garantia da imparcialidade do julgador se põe em xeque, enquanto estará
psicologicamente contaminado pela colheita de elementos indiciários no bojo da
investigação. Como se esperar que um juiz julgue o réu com imparcialidade e
isenção se ele próprio se deu ao trabalho de empreender esforços no sentido de
buscar prova da culpa?
Conforme já se assinalou, a Teoria da
Separação das Funções do Estado despontou como um marco ao Constitucionalismo
na efetiva limitação do Poder soberano, justamente porque, se se concentra
muito poder nas mãos de um governante, este tenderá ao abuso.
Maior razão temos para pleitear que
prevaleça a divisão de funções também no processo penal, pelo mesmo motivo e
inclusive por considerar que nesse âmbito se lida com direitos de ordem mais
sagrada e natureza indisponíveis.
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