Saiu no Anuário Brasileiro de Segurança Pública
(2025)[1] que, das dez cidades mais
violentas do Brasil, todas, isso mesmo, todas estão localizadas na
região Nordeste, distribuídas pelos Estados da Bahia (cinco cidades), Ceará
(três cidades), e Pernambuco (duas cidades).
É triste ter que admitir que a cidade
apontada como a mais violenta do país fica no nosso querido Estado do Ceará. A
campeã em violência, Maranguape (cidade que só possui pouco mais de 108 mil
habitantes), contabilizou 87 mortes em 2024, atingindo taxa de 79,9 mortes por
grupo de 100 mil habitantes[2]. Esse alto índice de
violência, segundo aponta o próprio anuário, está diretamente associado a
disputas entre facções do crime organizado pelo controle do tráfico de drogas.
Se antes as cidades interioranas do
Nordeste, em especial do Ceará, eram vistas como um oásis em meio ao deserto, justamente
em razão da sua tranquilidade, seu estilo de vida pacato e suas paisagens
naturais belíssimas, hoje, não mais. Ao contrário, hoje são vistas como lugares
perigosos e intranquilos para se viver.
Essa mudança no cenário da segurança
pública dessas cidades nordestinas pode ser explicada pelo fenômeno migratório
de grandes facções criminosas do Sudeste para o Nordeste. Grandes facções, a
exemplo do PCC (Primeiro Comando da Capital) e do CV (Comando Vermelho), que
são originárias, respectivamente, de São Paulo e Rio de Janeiro, hoje dominam
boa parte dos estados do Nordeste.
Pesquisadores do Núcleo de Estudos da
Violência da Universidade de São Paulo (USP) destacam que a expansão das
facções para além de seus principais redutos – Rio de Janeiro e São Paulo – foi
um fenômeno silencioso que começou a partir da segunda metade da década de 2000
no Brasil[3].
É verdade que essas facções ainda mantêm naqueles
estados do Sudeste os seus grandes centros de comando e controle do crime, no
entanto, é impossível não observar a impressionante redução de taxas de
homicídios no Rio e em São Paulo – lugares que antes eram o grande foco da
violência.
Não é leviano afirmar que o crime
organizado viu nas cidades do Nordeste um porto seguro para o estabelecimento
de suas atividades criminosas, já que essa “invasão” territorial só foi
possível graças à inação das autoridades que assistiram bestializados a esse
evento migratório, criando um cenário ideal para o crime organizado, na medida
em que a deficiência estrutural policial acabou por favorecê-los.
Certamente é injusto atribuir toda a
responsabilidade sobre a gestão dessa brutal violência - e de seus números aterradores
- sobre os governos estaduais já que, como visto, as facções criminosas exercem
influência e poder violento em todo o território nacional. Mas certamente a
postura adotada pela maioria dos governadores do nordeste, no mínimo, foi
ingênua - e continua a ser omissa - diante da onda de invasão experimentada
pelas cidades nordestinas, num processo que não ocorreu “da noite para o dia”,
mas que já tem levado alguns anos.
Destaque-se que, em nível nacional, a
adoção de medidas de recrudescimento penal pelo Congresso Nacional, a exemplo
do pacote anticrime, longe de serem efetivas no combate à violência, mais
servem de propaganda eleitoreira de políticos que só pensam em se perpetuar no
poder.
O recrudescimento penal só favorece a
inflação da população carcerária que, em última análise, servirá ao crime
organizado, pois recruta desse ambiente prisional a força de “trabalho” que
servirá aos seus interesses já que, nesses ambientes, jovens primários e de
baixa periculosidade são muitas vezes aliciados para o crime.
Aliás, é importante ter em mente que as
maiores facções criminosas do país nasceram dentro dos presídios. Logo, é
tolice crer que esse tipo de medida terá algum impacto na redução da violência
das ruas.
Some-se a isso o ineficiente modelo de
trabalho policial adotado pela Constituição de 1988 que, ao mesmo tempo em que
determina que a polícia militar adotará papel de polícia ostensiva, a proíbe de
realizar investigações. Isso só contribui para que esses profissionais se
dediquem à atividade “enxuga-gelo” de pequenas apreensões de drogas e prisões
de jovens primários e, a rigor, de baixa periculosidade.
Por outro lado, a Polícia Civil, de investigação
e inteligência, por ser a responsável por lavrar formalmente essas prisões realizadas
pela polícia ostensiva, acaba por ter seu trabalho de investigação inviabilizado
em razão do excesso de prisões e apreensões com as quais diuturnamente tem que
lidar. Some-se a isso, claro, a já tão conhecida ausência de investimentos em
equipamentos e tecnologia de ponta que são indispensáveis a investigações
eficientes.
Esse cenário explica o sentimento mais
contraditório e reinante na sociedade brasileira: ao mesmo tempo em que
diversas prisões são efetuadas todos os dias (o Brasil possui a terceira maior
população carcerária do mundo, que já ultrapassa em números absolutos a
quantidade de 909.594[4] pessoas) convivemos,
ironicamente, com o sentimento de impunidade criminosa relativa a crimes
violentos.
Essa política de segurança pública se
mostra não só ineficiente no combate ao crime organizado, mas também injusta,
na medida em que essas prisões e apreensões de pequeno impacto são reconhecidamente
atravessadas pelo racismo estrutural e só servem para favorecer a segregação prisional
de parcela economicamente mais desfavorável da população, o que reforça
desigualdades, e deixa de mirar naqueles que de fato interessam no nível macro
à segurança pública.
Segurança pública se faz com investimento
em inteligência e no uso de tecnologia sofisticada nas investigações criminais.
Do contrário, continuaremos a lamentar a tragédia que nossas pequenas e pacatas
cidades interioranas tem experimentado cotidianamente em termos de violência
urbana.
[1] Disponível em: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2025/07/anuario-2025.pdf
[2] Fonte: Anuário Brasileiro de
Segurança Pública (2025)
[3] Fonte: Gazeta do Povo. Disponível
em:
https://www.gazetadopovo.com.br/republica/como-faccoes-criminosas-ganharam-forca/
[4] Fonte: Anuário Brasileiro de
Segurança Pública (2025).
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