Com e entrada em vigor da Lei 13.257/16, o
Código de Processo Penal foi alterado para permitir que, em caso de prisão em
flagrante delito, além dos casos já previstos em lei, a prisão pode ser
substituída por domiciliar quando o agente for “mulher com filho de até 12
(doze) anos de idade incompletos”[1].
Após a publicação dessa lei, no ano de
2018, o Supremo Tribunal Federal, apreciando o Habeas Corpus N° 143.641/SP, concedeu de ofício ordem
de Habeas Corpus coletivo para substituir prisão preventiva por domiciliar de “todas
as mulheres submetidas à prisão cautelar no sistema penitenciário nacional, que
ostentem a condição de gestantes, de puérperas ou de mães com crianças de até
12 anos de idade sob sua responsabilidade”.
No entanto, o que se observa na prática
criminal é que juízes de primeira instância, reiteradamente, tem se negado a
observas a disposição legal insculpida no Art. 318, V e VI do CPP, bem como o
referido posicionamento do STF.
A saudosa Ada Pelegrini falando sobre contempt
of court afirma que é inconcebível que o Poder Judiciário não tenha o
condão de fazer valer os seus julgados. Ora, pela doutrina do contempt of
court são inimigos da corte todos aqueles que ousam não respeitar as
decisões judiciais.
Nesse sentido eu indago: seriam os juízes
de primeira instância, eles próprios, inimigos do poder judiciário, na medida
em que reiteradamente se negam a aplicar o que foi decidido pelo STF no
julgamento do HC coletivo 143.641 do estado de São Paulo, bem como a disposição
contida no Art. 318, V do CPP?
André Ramos Tavares discorrendo sobre a
evolução histórico-constitucional do Brasil afirma que em que pese termos
efetivado a transição de uma constituição imperial para uma constituição
republicana em 1891, de fato, nunca abrimos mão de nossa cultura aristocrática.
Talvez o racismo estrutural (e por que não
institucional?) explique inclusive as
incoerências do sistema. Lembro que antes mesmo da decisão proferida pelo STF
no HC coletivo aqui mencionado, o juiz da operação lava-jato Marcelo Bretas, em
que pese o seu conhecido viés punitivista, concedeu prisão domiciliar à
ex-primeira-dama do Rio de janeiro (Adriana Ancelmo), esposa do ex-governador
Sérgio Cabral.
Uma mulher branca, rica, alfabetizada e da
alta sociedade.
Não se trata de mera coincidência, mas
antes é apenas um reflexo do que os índices de pesquisas já revelam.
De acordo com a segunda edição do InfopenMulheres, que traçou detalhadamente
o perfil da população prisional feminina no ano de 2018, 2 em cada 3 mulheres
presas são negras, sendo em sua maioria jovens com faixa etária entre 18 a 29
anos, as quais possuem baixa escolaridade, são solteiras, mães e presas
provisórias.
Esses dados deixam transparecer não apenas
a seletividade, a discriminação, o preconceito no seio dos órgãos da justiça
criminal brasileira, mas sobretudo a própria insensibilidade dessas
instituições.
Nem mesmo o reconhecimento pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 347/DF, de 2015 parece ter sensibilizado juízes de primeiro grau que continuam reiteradamente a negar o direito à prisão domiciliar da mulher que é mãe de filho menor de 12 anos.
Há aqui que se ressaltar que os juízes de
primeira instância, ao negarem aplicação ao art. 318 do CPP, negam não somente
o direito à prisão domiciliar à mãe de filho menor de 12 anos, negam inclusive
o vínculo materno absolutamente essencial na vida da criança. Ignoram, assim, o
princípio de status constitucional do melhor interesse da criança, que deveria
ser priorizado.
É verdade que o STF afirmou que em
situações excepcionalíssimas, e ele não disse excepcionais, mas
excepcionalíssimas, o regramento da prisão domiciliar pode deixar de ser
aplicado. Mas o que se vê é que aquilo que deveria ser situação
excepcionalíssima se tornou a mais absoluta regra.
Quero por fim frisar que o SUPERIOR
TRIBUNAL DE JUSTIÇA tem entendimento firme de que a concessão de prisão
domiciliar às genitoras com filhos menores de até 12 anos incompletos não está
condicionada à comprovação da imprescindibilidade dos cuidados maternos, que é
legalmente presumida. Nesse sentido, cito AgRg no HABEAS CORPUS Nº 731.648 do estado de Santa
Catarina.
É importante que nossas instituições, na
pessoa dos servidores que lhes dão vida, atentem-se para esse quadro de
injustiça e perpetuação de preconceitos e restabeleça a ordem jurídica, a fim
de que prevaleçam os direitos fundamentais constitucionalmente previstos.
REFERÊNCIAS:
[1] Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for:
I - maior de 80 (oitenta) anos
II - extremamente debilitado por motivo de doença grave;
III - imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência;
IV - gestante a partir do 7o (sétimo) mês de gravidez ou sendo esta de alto risco.
IV - gestante;
V - mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos;
VI - homem, caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos.
Parágrafo único. Para a substituição, o juiz exigirá prova idônea dos requisitos estabelecidos neste artigo.
Obrigada pela leitura!
Compartilhe esse artigo para ajudar outras pessoas.
______________________________________________________________________
0 Comentários