No contexto das redes sociais, observamos
que, do ponto de vista micro, existe uma tendência de produção de conteúdos
voltados para temas e questões que causem forte impacto no interlocutor porque,
evidentemente, influenciadores digitais e demais profissionais que trabalham com
mídias sociais precisam capturar a sua atenção a fim de gerar views, likes
e engajamento.
Já do ponto de vista macro, as “big tecs”
faturam bilhões com a circulação em massa de notícias falsas[1]. Sabemos que uma notícia
falsa (fake news) tem muito mais propensão ao engajamento do que
notícias verdadeiras.
“Uma mensagem
falsa tem 70% mais chances de ser retransmitida (Reuters/Kacper Pempel).
Notícias consideradas falsas se espalham mais facilmente na internet do que
textos verdadeiros. A conclusão foi de um estudo realizado pelo Instituto de
Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês), instituição de ensino
reconhecida mundialmente pela qualidade de cursos de ciências exatas e de áreas
vinculadas à tecnologia”[2].
Inclusive, a mera possibilidade de
aprovação de lei que regule e limite o âmbito de alcance das fake news é
tão preocupante para empresários do ramo que, no ano de 2023, “em depoimento,
executivos do Google afirmam que big tech gastou R$ 2 milhões com anúncios
sobre PL das Fake News”[3], mas negaram qualquer
tentativa de influenciar a opinião pública acerca do referido projeto.
Se é verdadeira a correlação entre lucro e
engajamento, com base nas evidências acima apontadas, também é possível
concluir que notícias boas nem chamam, em geral, a atenção do público, nem são lucrativas
para empresas do ramo da comunicação.
O mesmo raciocínio se aplica aos programas
jornalísticos tradicionais de rádio e televisão. Poucas notícias impactantes,
pouco retorno financeiro. E as notícias que impactam, sem dúvida, são as
notícias ruins, que causem comoção, revolta e medo.
No Brasil, um caso ficou extremamente
famoso: o do apresentador (que depois se tornou político) Wallace Souza. O
apresentador foi acusado de ter encomendado diversos crimes apenas para
noticiá-los em primeira mão em seu programa de notícias, na cidade de Manaus. Com
o seu sensacionalismo barato e lições de moral ao vivo, o apresentador
conquistou o público e bateu recordes de audiência, a ponto de sua história ter
se transformado em série da Netflix.
Se é fato que muitos lucram com uma
comunicação enviesada e tendenciosa, não é menos verdade que a comunicação
forma a opinião e percepção das pessoas sobre diversos temas.
Importa aqui destacar que o Atlas da
Violência[4] (pesquisa divulgada pelo
Fórum Brasileiro de Segurança Pública), em sua mais recente publicação, evidenciou
que houve expressiva redução do número de homicídios no Brasil (cerca de 30%,
de 65.602, em 2017 para 45.747, em 2023).
De forma contraintuitiva, no entanto, a
percepção do público sobre a violência piorou, sendo apontada como a maior
preocupação dos brasileiros, no ano de 2025, de acordo com pesquisa
Genial/Quaest[5].
Na prática, os números revelam que a
percepção coletiva sobre segurança pública nem sempre reflete a realidade, sendo
muitas vezes influenciada fortemente por fatores externos. Podemos concluir até
que se a percepção pública sobre a segurança está tão ruim, mesmo que os
números revelem diminuição de crimes violentos, certamente essa percepção se
deva muito mais ao conteúdo sensacionalista e inflamado que predominam nos
meios de comunicação em geral, do que ao número de crimes graves efetivamente
praticados no Brasil.
As consequências sobre a influência da
mídia na percepção de segurança pública não param por aí, pois todo esse
material acaba por se transformar em insumo para elaboração de políticas de
segurança publicas fadadas ao insucesso, posto que fincadas nas bases frágeis
do sensacionalismo e manipulação midiáticos que só visam lucro fácil, ignorando
pesquisas, dados e produções acadêmicas e científicas.
Mesmo sabendo da importância de conteúdos
informativos, essa não é ou não deveria ser a base da comunicação social no
Brasil. Inclusive a Constituição Federal[6] elenca que princípios
outros deveriam norteá-la.
Assim sendo, e considerando a
probabilidades de os veículos de comunicação incidirem dolosamente no
descumprimento de tais princípios, urge que agentes da administração e da
política, além de instituição de controle, monitorem com mais veemência tais
veículos, não sendo preciso destacar que a prioridade absoluta no atual estado
de coisas na qual nos encontramos é, sem dúvida, a regulamentação do
funcionamento das empresas “big techs” e de seus produtos no Brasil.
[1]
De acordo com notícia
veiculada pelo Jornal da Band, só em 2023, as cinco maiores empresas de
tecnologias faturaram juntas US$ 1,59 trilhão, chegando perto do PIB
brasileiro. Veja a matéria em: Só em 2023, as cinco maiores empresas de
tecnologias faturaram juntas US$ 1,59 trilhão, chega perto do PIB brasileiro
[2]https://agenciabrasil.ebc.com.br/pesquisa-e-inovacao/noticia/2018-03/pesquisa-noticias-falsas-circulam-70-mais-do-que-verdadeiras-na
[3]https://oglobo.globo.com/politica/noticia/2023/06/em-depoimento-executivos-do-google-afirmam-big-tech-gastou-r-2-milhoes-com-anuncios-sobre-pl-das-fake-news.ghtml
[4]
https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2025/05/atlas-violencia-2025.pdf
[5]https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2025/04/02/violencia-e-a-maior-preocupacao-dos-brasileiros-aponta-pesquisa-genialquaest.htm
[6] CF/88, Art. 221.: A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios:
I - preferência a finalidades educativas, artísticas,
culturais e informativas;
II - promoção da cultura nacional e regional e
estímulo à produção independente que objetive sua divulgação;
III - regionalização da produção cultural, artística e
jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei;
IV - respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e
da família.
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